terça-feira, 30 de junho de 2015

Lixeiros que somos

Jornal Cruzeiro do Sul



Thífani Postali
Olhar para além da visão coletiva se tornou um desafio contemporâneo, principalmente nas grandes cidades que, frenéticas e cheias de informações, muitas vezes, não permitem que cidadãos observem assuntos do dia a dia de modo diferente. Todavia, algumas pessoas conseguem se livrar desse condicionamento social, apresentando ideias e conteúdos até então invisíveis para uma boa parcela de pessoas.

É o que fizeram as alunas do curso de Jornalismo da Universidade de Sorocaba (Uniso) Flavia Solange Correa, Larissa Pessoa de Carvalho e Sabrina Souza, ao terem a sensibilidade e a grandeza de produzir um livro reportagem, sob a orientação da professora Evenize de Cássia Batista Marques da Silva, resultado do trabalho de conclusão de curso, em 2014, abordando o dia a dia dos coletores de lixo das cidades de Votorantim e Sorocaba, especialmente, a segunda que, em 2014, tornou-se sede de Região Metropolitana.

Ouso dizer que o ponto mais importante do trabalho produzido pelas estudantes é o fazer jornalismo em seu ofício mais nobre: dar vez e voz àqueles que, por diversos motivos, não são vistos pela grande maioria. Com o trabalho, as autoras dissolvem o estereótipo dos coletores, apresentando inúmeros tópicos que dão vida aos que são tidos como meras ferramentas ou peças do caminhão de lixo. Cabe salientar que o estereótipo pode ser entendido como uma maneira de simplificar a visão sobre o mundo ou sobre as coisas. Desde sempre os seres humanos encontraram maneiras para categorizar objetos e acabaram aplicando isso às sociedades.

Ocorre que, dentro de nossa própria sociedade, também temos os grupos estereotipados que, ao longo do tempo, tiveram suas imagens construídas a partir do externo, de forma categórica. Seja a partir da herança cultural, da escola - por que não?, dos grupos e classes sociais em que estamos inseridos e, hoje, especialmente, a partir dos meios de comunicação de massa que, por meio de seus textos, apresentam o papel de cada um na sociedade.

Afinal, quem é o coletor de lixo? Bem, do ponto de vista estereotipado e aplicado por boa parte da sociedade, como apresenta a pesquisa das alunas, pode ser o "lixeiro", a pessoa "que merece estar no lixo", o "vagabundo", "o sujo", que é visto como serviçal. Do ponto de vista científico, humano, justo e sensível de Flavia Solange Correa, Larissa Pessoa de Carvalho e Sabrina Souza, é o Job Ribeiro da Silva que, de forma humilde e nobre, guarda os brinquedos para as crianças carentes; é o Luiz Fernando, que não se conforma em encontrar um ser humano jogado no lixo, ou, ainda, Seu Dirceu, que não entende como várias pessoas conseguem desfazer dos corpos de seus animais de estimação através do lixo. São pais, filhos, maridos, amigos, cidadãos e trabalhadores fundamentais para a organização, saúde e funcionamento da cidade.

Assim, como as autoras esclarecem no decorrer do trabalho a partir da reflexão de Tônia Amanda Paz dos Santos, lixeiro é quem produz lixo. Logo, o ofício do coletor de lixo é cuidar, de forma heroica, da sujeira criada pelos lixeiros, ou seja, produzida por nós, que habitamos os espaços das cidades.

Entretanto, o estudo apresenta claramente que falta muito para que a sociedade se conscientize dessa realidade. Em uma de suas partes, chamada "Ei Vagabundo", podemos observar inúmeras formas de preconceito direcionadas aos trabalhadores, que sentem diariamente o peso de sua profissão, tanto nas tarefas que têm que cumprir e provocam um grande desgaste físico quanto no desprezo e desrespeito que sofrem por parte da população que ignora entender ou refletir sobre o ofício.

São trabalhadores desrespeitados por alguns, invisíveis para muitos e visíveis e valorizados por outros que colaboram para que essa situação seja invertida e lutam para que eles tenham suas identidades apreciadas por todos. Posto assim, tomei a liberdade de usar este espaço para apresentar um trabalho acadêmico digno de ultrapassar os muros da universidade, aproveitando o prefácio que fui convidada a produzir. A ideia é somar forças e fazer com que mais pessoas possam olhar para o assunto de modo positivo e que contribuam, também, para a valorização dos coletores de lixo.

Thífani Postali é mestra em Comunicação e Cultura e Professora da Uniso. Autora de "Blues e Hip Hop: uma perspectiva folkcomunicacional" e membro do grupo de pesquisa Mídias, Cidades e Práticas Socioculturais (MidCid). Blog: www.thifanipostali.com.

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